domingo, 14 de dezembro de 2014

A Minha passagem por Andorra

Nota prévia: A Ronda del cims de 2012 foi uma das melhores provas que fiz. Paisagens, trilhos e  organização tudo 5 estrelas. Tinha este relato quase completo, mas nunca o partilhei. Como sei que muitos se preparam para rumar a Andorra no inicio do próximo Verão, decidi fazer esta partilha que pode dar uma ajuda. 

Mais de um mês depois da minha participação no Andorra Ultra Trail,  e da azafama do IV TNLO, decidi registar as emoções desta minha 2ª participação naquela prova.
Depois de uma viagem atribulada devido à anunciada greve da TAP tivemos de antecipar a viagem para 4ª feira à noite com chegada a Barcelona já perto da meia noite e com algumas peripécias, só conseguimos ir dormir depois das 3 horas da madrugada. Isto a pouco mais de 24 horas do inicio de tão dura prova, não é propriamente o melhor estágio. Mas no dia seguinte lá fizemos a viagem de carro até Andorra. Depois de passarmos pelo apartamento, lá fomos levantar os dorsais e tomar o primeiro contacto com o ambiente da Corrida.  Já com os dorsais e os sacos para enviar para os 2 pontos de abastecimentos (Margineda e Pas de la Casa) o trabalho foi dividir as coisas a enviar para um e para outro. Não é fácil. Melhor seria como no TDG em que o saco é sempre o mesmo que salta de um abastecimento para o outro, e nos permite meter lá tudo. Mas lá se fez. Com os sacos entregues, mochilas preparadas era hora de repor e acumular energias para o dia seguinte.
É aí estamos na linha de partida de uma das mais duras ultras de montanha. Trata-se de uma prova com 170 km e com 13000m  D+.  Como se isto não fosse suficiente juntam-se-lhe uns ‘trilhos’ extremamente técnicos e com inclinações que nalguns locais nos faziam tremer um bocado ou andar com a barriga muito próxima do chão para nos mantermos de pé.
Aqui partida do ano anterior com Miguel Heras

Como já conhecia o percurso até aos 85 km (local onde desisti no ano anterior), decidi não forçar muito e manter um ritmo confortável porque sabia o que nos esperava. Foi para esta prova sem dar qualquer ‘importância’ ao percurso/perfil. Tinha ainda a imagem do ano anterior, depois dar a volta à vila de Ordino e fazer a primeira subida num percurso com uma paisagem fabulosa sobre a povoação e por volta dos 5 km, quando esperava uma descida até Cortinada, não é que nos servem uma subida com declive extremamente acentuado, mas que na realidade é bastante mais interessante que o do ano anterior. Poucos km depois retomamos o percurso que já conhecia com a subida lá bem ao alto e com o Heli a sobrevoar-nos, a fazer imagens daquela paisagem lunar sem qualquer vegetação e onde passamos num percurso pedregoso com um declive que deve rondar os 45º. É pedra miúda e se por acaso nos desequilibramos, seguramente rolamos por ali abaixo umas centenas de metros.
Nestas repetições de provas temos a vantagem de comparar o nosso estado físico e psicológico em cada fase da prova. Aqui, na descida para o 1º abastecimento sentia-me bem mais confortável que no ano anterior. Está é uma descida acentuada, bastante longa e técnica. Fui ultrapassado por alguns atletas que seguramente não sabiam o que os esperava. É aquela descida em que apetece andar depressa porque ainda estamos no início, mas que desgasta bastante. Nas minhas calmas lá cheguei ao 1º abastecimento. Paragem de alguns minutos para comer e beber. Verifiquei que tinham nozes nos abastecimentos que gosto. Verifico a reserva de água e parto a caminho do abastecimento seguinte. Começamos a ver ao longe alguma neve, e a montanha estava com mais água o que aumentava a beleza da paisagem.
A observação daquelas quedas de água de muitas centenas de metros pelas rochas abaixo, faz-nos esquecer o cansaço. Como a subida, não sendo muito acentuada era para fazer a andar, dava para observar a paisagem envolvente. Ao chegar lá acima, começamos a observar o local do 2º abastecimento. Sabia que ainda demorava um bocado a chegar, mas pareceu-me mais longe que no ano passado. Cada vez estava mais distante. Tinha ‘combinado’ encontro com a São e o Luis Miguel para as 2 horas da tarde neste abastecimento. Cheguei mesmo em cima. Paragem longa (cerca de 30 min.). Deu para ir ao WC  e ficar mais leve, para ir ao café e beber um expresso (muito bom).
Sabia que a 12 km tinha osso duro de roer – subida a Comapedrosa. Vamos a ele. Sinto-me bastante bem. Agora é sempre a subir para vencer cerca de 600m de D+ em poucos km. Na maioria destas subidas eram menos acentuadas na sua fase inicial, onde seguimos as pistas de sky d’ Arcalis e ao chegarmos aos últimos 500 m, normalmente a inclinação acentuava-se de forma brutal e o piso muito pedregoso vulgarmente chamado de mui técnico. Chegamos ao pic de Cataperdis.
Lá ia progredindo, gerindo o andamento para chegar ao abastecimento seguinte e recuperar forças para atacar Comapedrosa. Paragem para comer uma sopa e descansar um pouco. Agora é subir aos 2930 por um dos percursos mais técnicos, inclinados e complicados que jamais encontrei em qualquer outra prova. Ainda a grande distância começamos a ouvir a música que chega lá de cima para nos dar as boas vindas. Depois de muito penar, finalmente pico à vista.
Mas sabia que o que me esperava na descida não era nada melhor. Não há adjectivos para esta descida. Temos de ter cuidado porque as pedras deslizam e podem perseguir-nos mas abaixo. Vamos encontrar neve mais abaixo e temos de  passar com todo o cuidado junto ao lago onde a neve se prolongava pelo fundo, perfeitamente visível através da transparência das águas.
Continuamos a descida até ao abrigo de Comapedrosa onde chego muito cansado. Ainda antes de comer, descanso um pouco em cima de uns banco corridos que estavam mesmo ao jeito para fechar os olhos. Estes pequenos momentos de descanso, para mim funcionam muito bem para recuperar forças.
Depois de abastecer é hora de partir que temos longa subida pela frente. Neste tipo de provas temos de ter muita paciência e noção  do que falta para levar a bom termo a empreitada.
É importante definir metas intermédias que vão sendo vencidas. Normalmente distâncias entre abastecimentos são óptimas para definir etapas intermédias. Se vamos pensar que ainda faltam mais de 120 km, com o cansaço que já acumulamos,  pode ser fatal em termos psicológicos.
Com isto tudo lá avisto o abastecimento de Botella, zona de partida duma das provas curtas. Mais um período de descanso e preparação para os kms que se seguem. Sabia que tinha agora cerca de 5 km planos. Neste tipo de provas não gosto nada de plano. Subir a andar ou descer a correr empurrado pela força da gravidade. Andorra tem poucas zonas planas. Mas temos de ir à vida. Sabia também que a seguir, depois da subida, iria encontrar uma das descidas mais técnicas e mais perigosas para fazer já de noite. Tinhamos corda enormes numa zona que deveria ser muito perigosa, mas de noite não se vê. No ano anterior fiz esta descida com o João Faustino e devido à humidade, devo ter caído dezenas de vezes.  Este ano chego um pouco mais cedo e o piso estava menos escorregadio. A descida é bastante extensa, e quando pensamos que está quase, temos outra dose pela frente até finalmente chegar a Margineda onde se situa a Base de Vida.
O João Faustino tinha chegado à pouco tempo e já estava a preparar-se para sair. Eu decido fazer uma paragem maior e ver se durmo um pouco. Deito-me num dos colchões disponíveis, mas havia muito barulho e não consigo dormir. Decido ir às massagens e cerca de 1 hora depois preparo-me para arrancar.
Saio sozinho. Ao sair do pavilhão fazemos cerca de 1 km de alcatrão, desviando depois por um trilho que nos conduz à ponte romana onde se inicia subida ingreme numa encosta bastante florestada. No ano passado encontramos atletas a dormir por aqui ao ar livre. Fiz todo este percurso completamente sozinho por volta da meia noite. Foi nesta zona que no ano passado decidi desistir devido as hemorróidas. Seguia com o João e fiquei em St Júlia. Apartir daqui era novidade para mim. Vou num bom ritmo para tentar apanhar o João que tinha saído de Margineda com  cerca de 45 min de avanço.
O próximo abastecimento é já na subida na Naturalandia. Subida acentuada mas que se fez a bom ritmo. Paro um pouco no abastecimento e arranco porque tinha o objectivo de alcançar o João (Só no fim é que soube que ele estava aqui a dormir).
Esta subida é daquela que nunca mais acaba. Começa a amanhecer e com a manhã começa a minha luta com o sono. Decido dormir ali mesmo junto ao caminho. Como era uma subida de pedra, o barulho dos batões não me deixou dormir.
Decido procurar um melhor local. Quando estava a começar a dormir toca o telefone. Era o Basso que teve de desistir e queria o telefone da São para entrar no apartamento. Como ainda dormi um pouco, despertei e rejuvenesci. Ganhei forças para imprimir um forte ritmo na subida até ao abastecimento seguinte que se situava num abrigo onde nos cruzávamos com os atletas dos 112km. Estavam a chegar os primeiros desta prova. Consigo sair com eles e acompanhar o seu ritmo durante alguns kms. Estava muito bem. Aqui já não havia grandes subidas, matinhamo-nos lá no alto e dava para correr.  O objectivo era tentar apanhar o João. No abastecimento disseram-me que o português não tinha passado à muito. Isso deu-me força para ir mais rápido e quando chego ao abastecimento seguinte dizem-se que o português  tinha saído à 3 minutos. Não paro muito tempo e sigo na suposta perseguição ao João.
Começo a aproximar-me de um grupo de 4 atletas onde ele deveria estar. Vou-me aproximando e não vislumbro a silhueta do João. Quando finalmente me aproximo do grupo reconheci não o João, mas o Pedro Marques que supostamente deveria andar pelos primeiros lugares, mas que teve uma quebra  grande e ia a gerir para chegar ao fim. Ainda seguimos os dois alguns km, mas na descida para Paz de la Casa ele ficou para traz.
Em Paz de La Casa tínhamos o 2º saco. Chego bastante cansado da descida. Deito-me na maca para as massagens e devia estar tão mal encarado que o médico começou a fazer-me um interrogatório para ver se ou estava bem da cabeça. Depois não me queria deixar sair. Insisto que estou bem e levanto-me da maca e vou embora. Pela cara dele não ficou muito convencido.
De Paz de La Casa desciamos pelo vale durante uns 2 km e depois voltávamos à esquerda onde iniciávamos uma subida sem trilho definido, com arbustos baixos e com um vento de frente que nos empurrava para trás. Foi uma das parte mais complicadas. Via um membro da organização lá bem no alto, mas para lá chegar foi uma carga de trabalhos. Tinhamos de vencer um desnível de cerca de 700m.
Abastecimento de Vall d'Inclés

Depois era descer os 700m em 4km até ao abastecimento de Vall d’Inclès. Vou seguindo nas calmas até que a certo ponto parece que ouço gritar o meu nome. Vou-me aproximando e na verdade tinha uma claque de luxo à espera neste abastecimento. Obrigado São, Célia e Pedro Basso.
Este encontro deu-me uma vida nova. Faltavam menos de 30 km. Soube aqui que o João estava para trás. Depois deste encontro e de abastecer, saio cheio de energia para atacar a recta final.
Sempre em solitário, lá subo os 800 de desnível e desço os 400 m até chegar ao abastecimento seguinte já de noite. Tratava-se do refúgio de Coms de Jan. Pareceu-me ficar numa zona completamente isolada no meio das montanhas.
Não fico muito tempo porque queria ir dormir à cama. Disseram-me que os da frente não tinham saído à muito tempo. Agora só tinha uma subida (500 m em 3 km), e depois era sempre a descer como eu gosto para fim de provas.
Ainda consigo ultrapassar uns atletas antes do cume, e depois toca a descer. São 1200 m de desnível negativo até à meta em descidas suaves e que dão para correr.
Ainda um abastecimento no mesmo local do primeiro e a partir daqui já conhecia do ano anterior a acompanhar o João.
Na meta no inicio da madrugada
Quando ia na perseguição às luzes de frontal que via ao fundo acontece a única perdida da corrida. Chego a uma estrada de alcatrão e viro para o lado contrário. Sou enganado pelos reflectores da marcação da estrada. Andei ali para trás e para a frente sem saber o que fazer. Cerca de uns 10 min depois lá encontro o trilho certo.

Daí até à meta foi sempre a dar-lhe forte, mas chateado comigo mesmo por me ter perdido.
Mas a Chegada à meta teve um sabor muito especial. Tinha a São à minha espera.
Missão cumprida, acabava de completar uma das 100 milhas mais brutais do universo, e que bem que me tinha sentido.
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Só duas citações do Pedro Basso escreveu enquanto eu andava por lá a lutar com a montanha:
“Completei somente 50kms desta DURISSIMA prova, as subidas são BRUTAIS, algumas super exigentes tecnicamente, as descidas são aceitáveis, algumas são autenticas paredes de pedra solta. Resumindo: estes seres Humanos que terminam a prova perdendo uma só noite são obrigatoriamente ET's, os outros que a terminam são Deuses do Trail!

Ultrapassar o Comapedrosa, a subida e descida mais BRUTAL que alguma fiz. SUPER íngreme e MEGA técnica, a descer e a subir!!!!!!!!!”
O 3º lugar no escalão "obrigou-me" a voltar a Andorra em férias. Isto dos prémios é mesmo muito chato!!!

domingo, 30 de novembro de 2014

ETR - EVEREST TRAIL RACE

E tudo começou em Novembro de 2013, quando por acaso me cruzei no facebook com a 3ª edição do ETR.  Depois de já ter ultrapassado alguns desafios aqui pela Europa, este teria um aliciante especial por decorrer junto do tecto do mundo com paisagens e enquadramentos a que não estávamos habituados.
A ideia começou a crescer e claro que o repto lançado à Célia teve resposta imediata. A família também rapidamente absorveu a ideia e a decisão de fazer férias em Novembro foi tomada de imediato. Iniciados os contactos com a organização e com a possibilidade de fazer o pagamento faseado, tudo ficou mais fácil.
Mais tarde a Tânia, que estava a preparar a aventura ‘da Benedita ao Caucaso em bike’, começa a alimentar a ideia de prolongar a viagem até aos Himalaias. Foi assim possível ter toda a família nestas férias de sonho. A organização tem um programa de caminhada guiada de 6 dias para acompanhantes, no caminho principal do Everest.
 Tinha um ano para ir preparando tudo. O calendário do ano é elaborado em função deste objectivo. Como habitualmente os treinos longos são feitos nas provas - Transvulcânia, S. Mamede, Volta à Cerdanya, Serra Nevada e Utax. A queda durante o UTAX e que me fez desistir, quase comprometia o grande objectivo do ano. Mas os 65 kms de adaptação à mochila com peso próximo do da prova, foi um óptimo teste.
Com tudo preparado para rumar ao Oriente, com o aliciante de este representar o reencontro da família ao fim de cerca de 10 meses. Chega o dia e lá vamos nós para muitas horas a voar e e espera em Madrid e Istambul, mas os fins justificavam os sacrifícios.
Depois de uma noite a voar finalmente o avião desce em katmandu pelas 6h da manhã. Formalidades habituais de emissão de vistos, que por acaso correu muito bem e relativamente rápido, à saída do aeroporto tomamos os primeiros contactos com o STAFF ETR e com os companheiros de aventura que, embora viajando no mesmo avião, só aqui identificamos como participantes. Logo ali antes de entrar no autocarro que nos levaria ao hotel, em sinal de boas vindas, somos obsequiados com um grande e bem cheiroso colar de flores.
Saímos do aeroporto e entramos na grande confusão que é Katmandu. Trânsito caótico, ruas poeirentas, motas aos milhares.
Chegados ao luxuoso hotel no centro de Katmandu, e que seria a nossa base antes de depois da prova, temos o secretariado e pequeno almoço montado nos jardins. É a primeira amostra da eficiência da organização. Tudo estava muito bem preparado.
Aqui, para nós houve a emoção do reencontro com as filhotas que já andavam por estas paragens à algum tempo. Como o dia era livre, saímos pouco depois para o centro da confusão que é Katmandu. Transito em todas as direcções, constantemente a apitar, ruas esburacadas a provocar uma poeira inrespirável e que justifica a razão de ver tanta gente de máscara, e entrada na zona comercial da cidade THAMEL. Aqui as ruas são um grande centro comercial onde se vendem produtos para a montanha de todas as grandes marcas, mas trata-se de cópias de muito baixa qualidade, na maioria dos casos. É necessário ter cuidado, pois, embora sejam ruas estreitas, cheias de gente, continuam a circular carros e principalmente muitas motos e triciclos. A sinfonia das buzinas é uma constante.

Thamel
Tivemos a sorte de as filhas já estarem na cidades à alguns dias e já conhecerem os diversos locais onde comer, fazer compras e visitar a cidade. Tivemos o primeiro contacto com a gastronomia numa das muitas tascas da cidade, sentados no chão em cima de uma manta. Temos de nos adaptar – "em Roma, sê romano". Mais umas voltinhas pela cidade e regresso ao hotel para o check-in. Depois de muito bem instalados, novo regresso a Thamel para jantar num outro local já conhecido das filhas. Uma refeição por aqui custa entre 2 a 3€. Estávamos a ficar ambientados à cidade.

2º dia – Visita guiada pela cidade – Saída de bus até ao templo dos macacos ou Swayambunath:
Os olhos do Buda contempla-nos do topo das stupas, Swayambunath é o templo budista mais popular no Nepal e é também conhecido como templo dos macacos. Temos que ter cuidado com eles são um pouco atrevidos. Há belas vistas sobre o vale de Kathmandu.
Este é um dos templos budistas de visita obrigatória na cidade, por várias motivos: é um belo templo, inserido numa zona ajardinada e com boas vistas sobre a cidade.Temos de ter cuidado ao subir as escadas que levam à entrada, já que os macacos não param de correr, gritar e lutarem, mas é um encanto vê-los nas mais diversas poses.
É um privilégio visitar Swayambhunath. Está localizado no topo de uma colina de onde muito do vale de Kathmandu é visível. Para aceder ao complexo há duas maneiras distintas. A primeira opção é subir 365 degraus. Mas nós subimos de bus.  É um ícone da cultura do Nepal, os olhos pintados inconfundíveis de Buda. É o segundo lugar mais sagrado para os budistas do Nepal. Aqui podemos encontrar uma variedade de santuários e templos, incluindo um mosteiro tibetano, museu e biblioteca. Em suma, um lugar muito agradável para passar a manhã. Cheio de vida, com vistas espectaculares, lembranças e artesanato. E, claro, um monte de espiritualidade.
No templo dos macacos.
De seguida fomos a pé ate à praça Durbar.
A praça Durbar é, sem dúvida, o lugar mais importante na capital do Nepal. Este é o epicentro desta cidade caótica, mas encantadora. É um lugar perfeito para fazer visitas interessantes. O lugar é cheio de prédios antigos muito característicos da arquitetura nepalesa. Sublinhar o palácio dedicado ao deus-macaco Hanuman. A estátua de Hanuman rostos pintados de vermelho. Na Praça Durbar Kathmandu, podemos ver o Templo de Taleju, Templo de Jagannath, Kal Bhairav, a estátua de D. Pratap Malla, o Kasthamandap o Nautale ou Kumari Ghar. O ambiente que prevalece é impressionante. Ásia na sua forma mais pura. Ainda tivemos oportunidade de ver a única deusa viva – uma história impressionante para nós.
Terminada a visita à praça, caminhamos até Thamel, centro da cidade onde almoçamos em mais um dos característicos restaurantes desta zona.

De regresso ao hotel. onde se iniciava o programa oficial de controle médico e de material para a corrida.

O que era exigido:
1.       Controlo médico com electrocardiograma e atestado de médico
2.       Controlo de material – material obrigatório + todo o material necessário para conforto nas noites frias da montanha. Como estava com medo do frio, não facilitei e apresentei-me com uma das mochilas mais pesadas. 7,25kg sem água o que originava cerca de 8kg a transportar nos próximos 6 dias. As mochilas foram pesadas e tínhamos de chegar ao fim com o mesmo peso.

Seguiu-se o briefing, com todas as recomendações necessárias e para a corrida e discurso do  ministro do turismo do Nepal.  O dia D estava a chegar.

DIA 0:
Saída logo pela manhã em mini bus para aquele que seria a mais cansativa etapa. Cerca de 8 horas até chegar ao acampamento em Jiri. Circulando por estradas estreitas de montanha com paragem para pic-nic numa pequena aldeia a cerca de 3000 m de altitude, com vista para o Anapurna. Não havia pontes, na zona das linhas de água a estrada descia e voltava a subir. Finalmente vislumbramos ao longe as tendas que seria o nosso hotel nos próximos dias. As carrinhas deixaram-nos a cerca de 500 m e tínhamos de seguir por estreito carreiro até ao acampamento. Depois da distribuição das tendas e de prepararmos as ‘camas’, uma voltinha até à aldeia e regresso já ao lusco-fusco, para o primeiro jantar na tenda-restaurante.
O hotel português
Serviço de restauração extremamente eficiente e recepção de primeiras mensagens de incentivo via email.
Dormir bem cedinho, que o dia estava a chegar.

DIA 1: I ETAPA - JIRI - Bhandar

6:00 – despertar à porta da tenda com um chá bem quentinho (cena que se iria repetir todos os dias de acampamento).
Pequeno almoço muito bem servido no nosso ‘restaurante’.
Recolha de água e alimentação (3 géis e duas barras com o nosso nº de dorsal)
Jornalistas de rádios e tv apareceram vindos não sei de onde.
Briefing com informações sobre a etapa.
E… 9:00  ai está: partida!
Nesta 1ª etapa de cerca de 21,5 km tínhamos um acumulado de 3795.
Era uma etapa da amostra do que nos esperava nos próximos 6 dias.
Começamos por subir um pouco por um estreito carreiro até à aldeia de Jiri, atravessando depois todas a aldeia sobre o olhar dos locais. Saio num ritmo confortável porque se adivinhavam dificuldades. Inicio a primeira subida mais ou menos a meio do pelotão.
Vamos cruzando com muitos miúdo, geralmente bem vestidos que se deslocam das montanhas para a escola por caminhos poeirentos e pedregosos.
Na subida ultrapasso vários atletas entro os quais a Lama Sherpa, o catalão Enric e o australiano.
Uma primeira hesitação no caminho a seguir que depressa se esclareceu e de onde saio com o australiano e o catalão, que entretanto ganham avanço no que restava da subida até às antenas. Inicia-se a primeira descida e em cerca de 4 km vamos baixar mais de 600 m até à Aldeia de Shivalaya.
Pouco antes de chegar lá abaixo, passa por mim a grande velocidade a nepalesa Lama Sherpa, que demonstrava grande facilidade nas descidas técnica. Vou tentando não perder terreno para ela e ainda antes de entrar na primeira ponte suspensa, que nos levava à aldeia, passo para a frente. Nas subidas ela estava nitidamente mais fraca e aproximava-se uma subida de cerca de 1000 m de desnível nos próximos 6 km.
Inclinação tremenda e com algumas partes em escadaria irregular. Depois de subir cerca de 1 km, somos enganado pela marcação desviando por um trilho que iria levar a uma outra aldeia. Saio por esse trilho e deixo de ver marcações, mas não havia alternativas. Vou andando, mas
com muitas dúvidas até que vejo virem em sentido contrario o Catalão e o Australiano com um sherpa na frente.  As marcações eram feitas com tinta biodegradável e esta estava numa pedra pequena que foi deslocada levando-nos ao engano.
Quando voltamos ao trilho vinha a passar aquela que iria ser a minha companheira de algumas jornadas, a inglesa Kerry. Seguimos os 4 até ao CP2, voltamos a ter uma saída do trilho, mas que se compôs sem perdas. A subida acentuou-se e grupo partiu-se tendo seguido na frente eu e a Kerry e assim chegamos ao CP3. Mais um gel, água e um caldo. Agora são 4 km a descer até à meta.
Arranco na frente, mas depressa verifico que Kerry desce muito bem. A descida era bastante técnica e acentuada nos primeiros 2 km. Tento não descolar da Kerry. Passamos por várias aldeias e por um mosteiro Budista. Aqui dava para correr visto que o piso era bom e a descida pouco acentuada. Depressa começamos a ver as tendas e a meta em Bhandar. Estava feita a primeira etapa depois de 3h36m. Chegamos em 6º e 7º visto que houve muitos desvios de percurso de outros atletas.
Aqui a Célia com adolescentes.
Depois de descansar um pouco e lanchar (fomos tão bem tratados, que julgo que ganhei peso durante estes 6 dias), fui fazer o reconhecimento da aldeia. Os povoados por aqui são bastante dispersos vendo-se casas a salpicar a paisagem até grande altitude, mas Bhandar tem uma rua  ladeada por cerca de uma dezena de casas com muito bom aspecto e pintadas com tons azuis. Trata-se de uma região em que a agrícultura tem bastante importância nos rendimentos. Com tão poucas casas, mas lá estava a escola com dezenas de crianças, geralmente muito bem vestidas e limpas e com ar extremamente simpático. Gostavam muito que lhe tirassemos fotos para se verem dentro da máquina.
Festa budista
Decido ir ao encontro da Célia e por coincidência deparo-me com uma festa (tipo procissão) no templo budista muito participada, o que indicia o enorme povoamento destas montanhas.


DIA 2 – II Etapa  -  Bhandar - Jase Bhanjyang

Esperava-nos o dia mais complicado de toda a corrida. A etapa não era muito longa, mas o seu perfil de altimetria era assustador, agravado pela subida acima dos 4000 m.
Saímos do acampamento atravessando a pequena aldeia de Bhandar e iniciando uma descida de cerca de 500 m de desnível em menos de 3 km. No inicio ainda acompanhei os primeiros, mas depressa se puseram a léguas. A meio desta descida segui (com mais 4) por um caminho errado, fazendo uma subida, que fez com que ficássemos no fim do grupo quando voltamos ao trilho. Chegados a uma aldeia e depois de algumas hesitações, lá encontramos o trilho que nos levaria a uma grande ponte suspensa que dava o mote para a subida das subidas.
Estamos a 1500 m  de altitude e cerca de 15km depois, estaremos bem acima dos 4000m.
Logo que iniciamos a subida, começo a ganhar algum metros e embora não progredindo de forma rápida, com um ritmo constante começamos a ultrapassar alguns atletas dos últimos 10 da etapa anterior que tinha partido uma hora antes. Passo pela americana e pouco depois pela Célia que vai progredindo bem. Pouco tempo depois chegamos ao CP1. A alimentação habitual: 1 gel, cerca de ½ litro de água. Aproveito a paragem para fixar a bandeira na mochila, que tinha caído na descida inicial. Com esta paragem um pouco mais longa, volto a sair atrás do Enric e da Kerry, mas depressa os vou ultrapassar. Continuamos sempre a subir passando por uma pequena aldeia e 400 m mais acima lá encontramos a aldeia de  Golla a 3000 m de altitude. Temos agora cerca de 500 m planos até ao CP2, abastecimento de líquidos e sólidos. A propósito de abastecimento, cada atleta tinha tudo a que tinha direito devidamente separado em pacotinhos identificados com o seu nº de dorsal. Normalmente havia frutos secos e pequena rodelas de chouriço. A garrafa de 1 litro de água também devidamente numerada e sopa(caldo).
Normalmente metia um gel, uma sopa e água.
Estávamos a 3000 m e estávamos a entrar na zona desconhecida para a maioria de nós acima dos 3000 m. Como iriamos reagir.
Depois de abastecer volto a saír sozinho. Tinhamos ainda cerca de 1,5 km planos, como que para ganhar embalagem para atacar a grande subida.
Inicio a subida que nesta fase não é muito acentuada, ultrapasso um atleta dos que partiram 1 hora antes. Depois de subir cerca de 400 m encontramos dois controladores que nos questionam se estamos bem. Aqui havia hipótese de um percurso alternativo (com penalização de 90 min). Quem estivesse a sofrer com a altitude, podia tomar essa opção.
Estávamos a passar os 3500 m de altitude, faltava só vencer um desnível de cerca de 600 m para chegar lá acima. Lá fui subindo, mas foi a minha pior fase em toda a corrida. Começamos a encontrar neve gelada, muito escorregadia, e todo o cuidado era pouco. Fiz uma pequena paragem para tomar um gel e beber um pouco de água (foi a única vez que bebi da água que transportava). Retomo a marcha e pouco depois vejo o colega das Canárias, José Delgado, sentado no chão. Pergunto-lhe se estava tudo bem, disse-me que sim só não tinha água. Parei para lhe dar água e continuei sem me aperceber que ele estava um pouco pior do que parecia. Foi muito afectado pela altitude e teve alguma dificuldade em chegar lá acima. Saímos da zona de floresta e entramos numa zona mais despida de vegetação. Começamos a ver as bandeirolas até lá bem no alto a cerca de 1 km de distância, com um desnível pouco acentuado que se ia agravando na parte final, com vento lateral muito frio. Mas a paisagem é fabulosa.
No ponto mais alto(4070)
Aqui vários camponeses apanhavam os arbustos rasteiros não sei com que objectivo. Talvez para fazer chá.
Quase a chegar lá acima aparecem os fotógrafos e finalmente o ponto mais alto. A vista é espectacular. Vê-se toda aquela cordilheira de montanhas brancas com o Everest à vista.
Paragem no CP3 para o gel, a água e o caldo e… uma foto para mais tarde recordar.
Se estamos lá em cima, temos de descer. Vamos descendo inicialmente pela crista da montanha. O vento soprava forte e frio do lado esquerdo e por isso desci um pouco abaixo da crista para o evitar.
Pouco depois iniciamos uma descida muito técnica que nos levava a perder cerca de 700 m de altitude em cerca de 2 km. Vou descendo com calma até que, já próximo do fim da descida  começo a ouvir o barulho de bastões atrás de mim. Olho para trás e lá estava a inglesa Kerry. Desce realmente bem. Durante toda esta descida, vemos o acampamento e a meta mesmo ali do outro lado, mas depois da descida ainda temos de subir quase 200m.
Atravessamos uma pequena aldeia e agora é só subir. Consigo afastar-me um pouco da Kerry, mas a cerca de 100m da meta desvio por um pequeno carreiro que não tinha saída. Volto par trás e ainda entro à frente da ela, e mais uma vez entramos na meta quase em simultâneo.
Estava feita a etapa mais difícil e demorada. 6h10 para fazer 24 km. 
Lá está ao fundo o ponto mais alto
Junto a este acampamento não havia nada, excepto as vistas maravilhosas. Durante a tarde ainda subo um pouco no percurso a fazer no dia seguinte para avistar o Everest lá de cima e tirar umas fotos. Estavamos a 3600 m de altitude e a noite advinhava-se fria. temos de vestir quase tudo o que temos à mão. Depois de jantar, fomo-nos aquecer junto à grande fogueira, e alguns aproveitaram para secar roupa. 

DIA 3 – III ETAPA - Jase Bhanjyang - Kharikhola
Ao 3º dia esperava-nos a etapa mais longa com descidas sem fim à vista.
Estava um frio de rachar e para o briefing habitual  antes da partida, tivemos de nos aconchegar bem uns aos outros, para nos protegermos do frio. A etapa começa a subir um pouco. Como saí com casaco vestido, tive de parar pouco tempo de pois porque o calor chegou, e por isso fiquei sozinho com o Sherpa que fazia de vassoura. Ainda consigo chegar-me aos últimos e começar a ultrapassar antes de iniciar a descida.

Anna e José, grandes companheiros
Vamos agora baixar mais de 1000 em cerca de 4 km. Descida perigosa, onde todo o cuidado é pouco. Boas sensações na descida e consigo chegar lá abaixo com os do costume à vista. Passo a Kerry  e começo a ver, nas clareiras a Anna e o José Delgado. Acho estranho, pois até agora só os via na partida. Vi depois que estava ligeiramente lesionada e ia a resguardar-se. Chegamos ao CP1 e depois de abastecer, sai à frente. Eram 500 m de desnível onde ganhei alguma vantagem. Ao chegar lá acima a paisagem é fabulosa. Começamos a cruzar com muitos caminheiros que nos iam dando ânimo e tirando fotos. Sou apanhado na descida para o CP2, pela Ana e o José, e a partir daí a etapa foi feita sempre a três até à subida da meta.
Na subida depois do CP2 (cerca de 500 m de desnível), o percurso fica mais animado. Começamos a cruzar com os primeiros ‘comboios’ de burros e carregadores. A subida faz-se por uma espécie de cópia de baixa qualidade de estrada romana onde as pedras eram bastante irregulares.
Lá no cimo, em Tacsindu passamos um pórtico e iniciamos uma das mais longas descidas. Baixamos mais de 1500m em cerca de cerca de 9 km por caminhos complicados, com muita pedra e pisando muitos dejectos de burro e yaque. Um autêntico parte pernas. Mantemo-nos os 3 juntos, embora a certa altura eu tenha descolado um pouco, mas depois arranjei forças para recolar. É daquelas descidas que parece não ter fim. O José às vezes avançava um pouco e depois abrandava. Passamos a Montse Pereira, atleta das Canárias, que tinha partido uma hora antes, mas tinha caído e mesmo assim ía bastante bem.
Chegamos ao CP3 juntos, depois do abastecimento habitual (gel+sopa+água), uma foto dos 3 e toca a marchar que ainda temos muito para descer e voltar a subir para este nível do outro lado do vale. Vou-me conseguindo manter ‘na roda’ dos companheiros de jornada, mas já estávamos saturados de tanta descida. A chegar quase ao fim da descida tive a minha única queda em 6 dias, mas felizmente sem consequências.
Chegamos finalmente a uma aldeia junto ao rio. Aqui, se fosse sozinho, tinha ido à tasca beber uma s. Miguel, mas não podia perder o comboio. Tinhamos a ponte para atravessar, mas em sentido contrário vinha um comboio de burros. Paragem forçada descansar e que bem que soube. É que a seguir temos mais de 500 m de desnível para subir.
Escadas sem fim
Primeiro km sem grande desnível e junto a casas que me pareceram de turismo ou 2ª habitação. O local junto ao rio era bastante agradável.
Depois chega a subida. As forças já eram muito poucas. As descidas longas matam. Tento aguentar o mais possível o andamento dos companheiros, mas começo a ceder. Não dava mais. Ponho o meu ritmo de subida mais confortável e começo a ver as bandeiras lá mesmo no ponto mais alto. Temos escadas e mais escadas, mas o pior ainda estava para aparecer. A escadaria final era extremamente empinada. Não olho para cima para não me assustar. Sigo degrau a degrau até começar a ouvir as palmas. Aí já só faltavam cerca de 20 m. Está feito. Corto a meta, respiro um pouco, e diz-me o Jordi que ainda tinha mais escada para subir até às tendas. Olho para cima e lá estavam elas. Localização fantástica no átrio de um mosteiro budista. Que vistas deslumbrantes. Perdi cerca de 3 min para a Anna e José.
Companhia 5 estrelas.

Chegamos Kharikhola, no coração dos Himalaias, e meio da corrida. O templo budista onde está montado o acampamento é muito agradável. Pela tarde entramos e assistimos às rezas dos miúdos (pequenos monges budistas). Respirava-se espiritualidade.
Estava um ambiente óptimo para relaxar depois de tão dura etapa. O ambiente que se criava entre os participantes, depois de terminadas as etapas era excepcional, e ainda deu para descer a escadaria e beber uma cerveja na explanada de um lodge.
DIA 4 – IV ETAPA - Kharikhola - Phakding

4º dia nas montanhas, hoje é o dia do reencontro com a família que anda na caminhada. Estou desde o inicio sem qualquer noticia delas. Parti com boas sensações. Já que ontem tivemos de subir, hoje iniciamos a descer durante pouco mais de 1 km. Partida rápida, mas tínhamos já ali o travão, a subida era bem durinha, até ao CP1. Mais uma vez consegui alguma vantagem na subida em relação ao pessoal do meu campeonato. Ultrapassei a Célia ainda antes do CP1 e a Mª do Céu estava já no abastecimento. As formalidades do costume e agora tínhamos uma parte plana seguida de descida muito técnica. Neste troço lembrei-me muitas vezes da Freita. Este ainda consegue ser pior e isto é caminho usado pelos locais para ir até Lukla, única porta de saída destas montanhas. Aqui encontrávamos muitos ‘comboios’ de burros com as mais diversas cargas (combustível, cereais, materiais de construção,…) que abasteciam em Lukla, no avião e transportavam até à aldeias mais remotas da montanha. Por vezes encontrávamos vestígios de bidons de combustível derramado no chão.
Parar que vem burros..
No inicio da descida senti uma ameaça de entorse, por isso decidi não arriscar muito na descida. Mais uma vezes, quando descia descansado, começo a ouvir uns bastões a bater atrás de mim, e quem era? A Kerry claro, esta inglesa persegue-me.
Bem tenho de ir mais depressa senão sou ultrapassado. Consigo ganhar algum avanço nas zonas mais técnica, talvez uns 100m, quando ouço um grande grito e de imediato choro, volto para trás para ver o que se passava, verifico que a Kerry fez uma entorse e o pé começou logo a inchar. Tento ver o que podia fazer, mas ela só grita "go, go" isto é uma corrida.
Depois de alguma hesitação, decidi seguir para avisar no CP2 que se situava a cerca de 2 km e 400 m abaixo. Vou com calma porque aquela situação impressionou-me, até que chego finalmente ao CP2. Aviso de imediato que a Kerry estava mal a que provavelmente não conseguia descer. Ainda não tinha acabado de falar, olhamos e lá vinha a Kerry a chegar com o pé bastante inchado. É na realidade forte esta Kerry. Espero um pouco e seguimos juntos até ao fim. Por vezes soltava um grito de dor, mas não cedia.
Com a entrada no caminho principal Lukla-Everest, tivemos de começar a fazer gincana para cruzar e ultrapassar os transportadores, yaques e burros. Estava em hora de ponta. Faltavam só 6 km depois do CP3 e a pouco e pouco lá nos fomos aproximando. A expectativa aumentava, porque esta chegada era muito especial. A todo o momento esperávamos ver o acampamento, que nunca mais aparecia. Já estávamos a sair da aldeia onde supostamente seria a chegada e do outro lado da ponte, lá estava o pórtico da meta, mas tendas nada.

Iniciamos a travessia da ponte e vejo lá no fim as minhas fãs, dou um beijo à São e avançamos para a meta de mãos dadas com a Kerry, bastante emocionada com esta chegada, depois de tudo o que se tinha passado. Chegada inesquecível. Trail é isto, camaradagem, interajuda, emoção, é por isso que gosto disto(trail).
Chegada da Célia - IV etapa
Boas e más noticias recebidas à chegada: Temos banho quente e cama para dormir; Não posso ir dormir com a São (regras são regras, nada a fazer); não posso deixar nada do que levo na mochila, tenho de continuar a carregar os mais de 8 kg até ao fim.
Tarde/noite passada com a família, com caminhada até Phakding para esperar a Célia e jantar/serão em conjunto. Serviu para por a conversa em dia, depois de 5 dias de separação e aventura.



DIA 5 – V ETAPA Phakding- Tyangboche
Havia alguma expectativa, visto que nestas duas últimas etapas não existiam marcações. Tinhamos de seguir o caminho principal Lukla – Everest. Por outro lado iriamos fazer um percurso bem movimentado o que nos dará uma pica especial, já experimentada na parte final da etapa anterior. Os primeiros kms não tinham dificuldades de maior. Seguimos o vale de um ou outro lado do rio, fazendo as travessias pelas pontes suspensas por cordas. Por volta do 5 km entravamos no parque nacional SAGARMATHA. Nós, com o dorsal, tínhamos carta verde para entrar.
Partida V etapa
Só a partir do 7º km, depois de atravessar a celebre ponte Hillary , iniciávamos forte subida até Namche Bazar. Iniciei a subida atrás de um elemento da organiza que foi fazer só esta etapa com o dorsal 40. A meio da subida consegui passar por ele. Entramos em Namche Bazar, e em cada esquina estava um elemento da organização a indicar o caminho a seguir . Não havia como se enganar.
Embora passasse a correr(pouco), Namche Bazar pareceu-me uma terra interessante e com muito comercio, pela amostra da rua que atravessamos. É dos principais centros de comercio sherpa.
Quase no fim da povoação estava o CP1. Gel+água e vamos andando. Tinhamos agora um percurso relativamente fácil para correr, mas a vontade não era muita. As vistas eram cada vez mais deslumbrantes. Avistavamos lá em baixo a ponte Hillary que atravessamos à pouco, à nossa direita tinhamos uma cordilheira de picos cobertos de neve. Entretanto iniciamos a descida não muito longa, mas acentuada. Vou devagar e sou ultrapassado pelo Enric. Tento seguir com ele, mas vai forte e ganha alguns metros. Ao chegar à ponte fomos ‘travados’ por um comboio de Yaques. Aproveitamos para meter um gel, visto que já se avistavamos o abastecimento do outro lado da ponte. Uma ligeira paragem no CP2 e… agora é sempre a subir. O Enric saiu à frente, mas esse avanço não durou muito tempo. Sentia-me com força, e por isso segui sempre a um bom ritmo. Eram cerca de 2 km para um desnível de cerca de 500 m.

Everest em fundo
Chegada à meta a 3870m, num cenário único, com o Everest alí mesmo ao lado. Foi, sem duvida, o cenário mais marcante para a chegada de uma etapa. A organização teve o cuidado de nos fazer dar uma volta por detrás do hotel para entrarmos no pórtico com o Everest como cenário.


 DIA 6 – VI  ETAPA – Tyangboche-Lukla
Chegou o grande dia – última etapa. Respirava-se à partida um ambiente de festa. Estavamos a menos de 30 km de acabar esta empreitada. A etapa não se afigurava com um grau de dificuldade elevado. Apenas uma subida para vencer um desnivel de cerca de 500m e altidtude de 3800m.  Mas primeiro tinhamos a descida feita no dia anterior a subir. Baixar 500m. O pessoal começou todo muito forte. Tentei ir na roda. Demoramos cerca de 20 minutos a descer. Estava muito frio e havia gelo no percurso. Todo o cuidado era pouco.
Agora era hora de atacar a última grande subida da prova até à bonita aldeia de Khumjung, mas como gosto de provas que tenham os últimos kms a descer, sabia que se chegasse lá acima com alguma reserva de energia, depois eram 20km ao meu gosto.
Comei a subir forte, ultrapassando a Anna e o Marc, que por brincadeira disse que era menos de um hora que tinha de vantagem.  Entretanto passa por mim muito forte o José Delgado, que estava a apenas 3 minutos. Ganha rápidamente algum avanço. Sobe muito bem. Embora nestas provas a classificação não seja o mais importante, mentiria se dissesse que não havia alguma adrenalina associada à tabela classificativa.
Nesta fase pensei que nunca mais o apanhava e psicologicamente fiquei conformado com o 8º lugar.
Cheguei ao CP1 em Khumjung (3800m), meti uma sopa e gel e chega o Marc e Anna. Saimos juntos por um caminho que ladeia a escola. Ainda tinhamos uma grande escadaria que nos levava ao ponto mais alto da Etapa. Aqui tinhamos das vistas mais deslumbrantes. Paro para tirar fotos e perco o contacto com os companheiro de aventura. 
última foto do Everest
Descida técnica até à pista de aviação de Shyangboche que tinhamos de cruzar e tento recuperar o tempo perdido. Consigo recolar-me no inicio da forte descida para Namche Bazar. Ponho-me atrás na Anna e fazemos os 3 uma descida espectacular a grande velocidade zigzaguiando por entre as muitos dezenas de caminheiros que povoavam o trilho. Quando chegamos à povoação pensei que tinha estragado tudo, tinha abusado na descida ao tentar acompanhar a grande campeã espanhola. Tento recuperar nesta zona mais plana, visto que a seguir tínhamos repetição de dose. Ainda inicio a nova descida atrás da Anna, mas depressa deixo de a ver. Juizinho nessa cabeça senão não aguentas até à meta, pensei eu. O Marc tinha ficada um pouco para trás. Lá segui ao meu ritmo, pensando que só a iria encontrar na meta, mas no fim da descida tinhas a ponte Hillary, que estava congestionada de transito de yaques em sentido inverso, e lá estava a Anna e o José. Que bem que soube este descanso forçado depois de toda aquela descida de quase 1000 m de desnivel.
Agora éramos 4 a caminho da meta. Mantive-me atrás a tentar aguentar o ritmo . Por vezes lá encontrávamos mais uma ponte congestionada, aproveitando para descansar.
Na escadaria a subir para a saída do parque nacional, senti-me com força e vou para a frente do grupo. Pouco a pouco vou ganhando alguma vantagem, tendo chega ao CP2 com uns minutos de avanço. Quando eles chegam já estou de saída. Decido avançar porque pensava que não tinha andamento para eles na parte final.
Os sentimentos a partir daqui são espectaculares. Sinto-me com força e vou a bom ritmo até que cerca de 2 km depois, num cruzamento, uma distracção fatal fez-me entrar no trilho errado. Começo a subir e cruzo com duas pessoas que me perguntam se vou para Lukla, eu respondi que sim e elas disseram mais qualquer coisa que não entendi. Depois percebi que tentaram avisar-me que estava errado. Continuo a subir, já com muita duvidas na cabeça porque ao contrário do caminho principal, aqui não encontrava ninguém. Por sorte mais à frente encontro uma senhora que me indica que vou errado. A minha sorte é que tinha subido, por isso agora, até encontrar o trilho era sempre a descer. Verifiquei depois no registo gps que perdi cerca de 6 minutos. Regressado ao bom caminho, pensei que os companheiros já tinham passado, por isso tentei recuperar o tempo perdido. Só no CP3 soube que seguia em 5º e que eles estavam para trás. Faltavam cerca de 3,5 km , a adrenalina sobe ainda mais por saber a posição. Temos duas subidas pequenas e Lukla à vista. O avistar os fotógrafos indiciava meta à vista, eram só mais umas escadas e começo a ouvir gritar pelo meu nome. Os sentimentos nestas situações são indescritíveis, principalmente quando toda a família está ali a apoiar.
CHEGADA....

Ainda era cedo, tinhamos a tarde toda para descansar, desfrutar desta bonita aldeia, ver a perícia dos pilotos dos aviões e helis a aterrar e descolar do aeroporto mais incrível que vi até hoje.
Finalmente muito bem instalado com a São no quarto Everest do hotel com um banho bem quente.
Fomos esperar a Célia e ver o fecho da corrida, e agora era esperar o dia seguinte para regressar a Katmandu.
Aqui nunca se sabe a que horas voamos. Vamos para o aeroporto à 8H00 e temos de esperar sem nada saber. Tivemos sorte de sair no 1º voo por volta da 2 da tarde. Tinhamos 4 voos e o último, depois de um dia de espera, foi adiado para o dia seguinte. 

FIM DE FESTA

De regresso a Katmandu, tinhamos programa livre até ao jantar do dia seguinte. Aproveitamos para fazer compras e dar as últimas voltas pela cidade, antes de regressar ao hotel para a festa.
M50
Entramos para a bonita sala de jantar, e somos surpreendidos pela entrada de convidados acompanhados de soldados com metralhadoras. Só depois soubemos que se tratava do 1º ministro do Nepal que veio participar na festa, contar a sua história de aventuras na montanha e entregar os prémios. Cerimónia bonita com direito a espetaculo de danças nepalesa onde tudo estava muito bem preparado. Foi bonito.
 Considerações finais:
Que grande ambiente
1.       Valeu a pena fazer o esforço financeiro para viver estes momentos.
2.       A melhor relação qualidade/preço em tudo onde participei.
3.       Não consigo descobrir qualquer falha ou ponto negativa na organização.
4.       Muito satisfeito com as sensações ao logo das etapas e com o resultado.
5.       Ambiente entre os participantes verdadeiramente excepcional.
Com Célia e Nepaleses
6.       Melhor era impossível!!




Alguns dados de interesse:
1.       Custo da inscrição com voo a partir de Madrid: 2850€ (regime de tudo incluído excepto os dias livres em Katmandu).
Com Kerry, companeira em várias etapas
2.       Custo do seguro de resgate em montanha: 105 €.
3.       Classificações nas etapas(geral): 2 etapas em 7ª; 3 etapas em 8º; 1 etapa em 5º
4.       Classificação M50: 6 etapas em 1º
5.       Tempo total: 28H55, a 8H16 do primeiro.
6.       Vantagem para o 2º M50: 5H56

Região de Leiria
Para grande surpresa minha, as noticias do ETR surgiram na imprensa regional (o que fazem as redes sociais). Obrigado a todos os que se interessaram por este desporto.

Região de Leiria

Jornal das Caldas


O Alcoa

 http://oesteglobal.com/Jorge_Serrazina_vai_de_obidos_para_o_teto_do_Mundo
http://www.regiaodecister.pt/pt/noticias/jorge-serrazina-7o-no-everest-trail-race

Finalmente um agradecimento muito especial aos amigos que me deram força com o seu apoio ao longo da prova e à chegada à Salgueirinha com aquela recepção a surpresa.

Reportagem na TVE:
http://www.rtve.es/m/alacarta/videos/evasion/?media=tve