sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Aventura no Monte Branco






O grande dia estava a chegar. Tudo começa com 3 dias em Itália, férias em família a pouco mais de 200km do local, com visitas à cidade de Milão e aos grandes lagos do Norte de Milão e Suíça. Que maravilha. Dia 26 partida para Chamonix, via Suiça, com almoço em Sion em casa de amigos, chegando ao fim da tarde ao destino, onde fomos recebidos por uma tempestade de chuva e vento, a contrastar com os dias anteriores. Encontro com a Glória e Celia, que entretanto, chegavam de Portugal via Geneve.
Instalamo-nos no nosso espectacular apartamento para 6 pessoas, com vista para o Monte Branco.
No dia seguinte, iniciamos as formalidades normais: levantamento dos Dorsais, marcação das mochilas, primeiros encontros com os Tugas presentes, visitas à feira/festa do Trail, e compras nas lojas de Chamonix, onde podemos encontrar todas as últimas novidades de material relacionado com trail e ultratrail (mochilas, calçado, suplementos alimentares, …).
À noite, depois de mais um Jantar de massa, iniciou-se o ritual de preparação das mochilas. Primeira tentativa: colocamos tudo o que achávamos necessário. Chegamos rapidamente à conclusão que tínhamos de seleccionar material, pois o peso era excessivo, principalmente a mochila da Célia. Depois de muito tirar e por, lá se acabou essa tarefa.
Como não queríamos deitar muito cedo, para no dia seguinte acordar tarde, lá fomos dar mais uma volta por Chamonix. Na zona de meta encontramos o grupo dos 4 magnificos (Guilherme, João, Mimoso e Hugo), que planeavam, certamente, a melhor forma de atacar o UTMB
…e finalmente é chegado o grande dia.
Não consigo dormir até muito tarde. Vou dar uma volta pela cidade, e decido comprar umas sapatilhas Wings, que estavam com uma boa promoção. Ajustavam-se muito bem ao pé. Depois de alguma hesitação, vou mesmo começar o UTMB com elas.
Chega a hora da massa. Já se vêem imensos atletas totalmente equipados com mochila e dorsal para iniciar a prova. Serviram de modelos para algumas alterações de última hora. A Célia e a Gloria ainda vão comprar fitas elásticas para pendurar o dorsal.
Regressamos ao apartamento para um último banho (tínhamos de partir lavadinhos) e,… ala que se faz tarde para a zona de partida. A festa já tinha começado. O largo estava a abarrotar. Ficamos a distância, mas podíamos acompanhar tudo no ecrã gigante.
e…
à hora exacta é dada a partida, no meio de um mar de gente. Demoro quase 10 minutos até puder dar os primeiros passos de corrida, mas assim sentiu-se melhor a festa.
Finalmente, quando posso correr, inicio num ritmo bom que me permite ir ultrapassando muita gente, até apanhar o Luis, e depois o grupo da Madeira, por volta do km 10. Subimos todos na mesma zona até ao km 15 – inicio da descida acentuada para S. Gervais. Aí comento com o Luis que tenho que seguir mais devagar. Comecei a sentir o roçar de um dos dedos do pé esquerdo na frente da sapatilha. Começam a ‘luta’ psicológica. Fiz uma má opção, um erro de principiante, como é que foi possível.
Mas, em S. Gervais (km21), esperava-nos mais um mar de gente (impressionante com eles vivem isto), e a família para dar uma força final para a noite que seria longa. Já chegamos de noite, aproveito para retirar o frontal, uma das voluntárias acerca-se logo de mim com uma garrafa de água, não mais me largando enquanto ali permaneci. Avanço para o abastecimento sólido, mas apenas um pouco de chocolate e … vamos embora. Esqueço o problema no pé, agora é a subir. Mas depressa me apercebo que na mais pequena descida as coisas não estavam bem. Mas lá vamos etapa a etapa .
Les Contamines, - Já pela noite dentro, ainda muita gente a apoiar. Mais uma paragem não muito prolongada, mas que foi suficiente para na saída sentir frio o que me fez para um pouco e tirar o corta-vento da mochila.
A partir daqui entra-se por um caminho que parecia cavado em grandes rochas, sempre a subir. Cruzávamos com muitos caminheiros que desciam da montanha – penso que vinham do abastecimento seguinte, em plena montanha, e aonde estariam umas largas centenas de pessoas a apoiar. A meio desta subida, e no meio do nada, começamos a ouvir musica e de repente deparamo-nos com apoiantes muito especiais – umas centenas de jovens de ambos os lados do percurso, todos com uma cerveja na mão. O cheiro ao ‘sumo’ da cevada era extremamente intenso.
La Balme – do meio da noite aparece-nos um oásis. O frio já se fazia sentir. Estávamos só a 1700 m de altitude, mas os últimos km foi sempre a subir. Não fui verificar o gráfico do perfil, por isso estava convencido que tinha chegado ao topo. Havia uma grande fogueira, que aproveito para me aquecer. Estava eu descansado ao calor, no meio daquele gelo todo, quando um Francês me diz que os próximos 5 km é sempre a subir. Eram 5 km para subir dos 1700m para perto de 2500 (Croix du Bonhomme). Tem que ser vamos a isto. Entramos então num percurso muito técnico até ao topo. Mas o pior estava para vir. Descer cerca de 1000m em cerca de 5 km. Foi esta a parte mais dura para mim em toda a prova. Não conseguia descer com os pés direitos porque o dedo doía. Bem punha o pé de lado, mas a progressão era lenta. Era ultrapassado por toda a gente. Finalmente este inferno terminou com a chegada ao abastecimento.
Les Champiex - Ao chegar ao abastecimento, sento-me de imediato. Vem logo uma das voluntárias servir-me bebidas, sopa , … Tiro a mochila e, ao olhar para a sapatilha verifico que está toda ensanguentada. Fico muito assustado pensado que iria ficar por ali. A voluntária chega à minha beira e ao ver o estado do meu pé, pega de imediato na minha mochila e bastões e sigo-a descalço até ao posto médico. Sento-me, cortam-me todas as peles do dedo afectado, colocam-me um penso protector e pomada às carradas por debaixo da meia. Tudo isto demora cerca de ½ hora, e ali ao lado era o local de repouso. Tanta vontade que me dou de ir dormir. Seria cerca das 3 da manhã. Resisti e saí para o sacrifício.
À saída apanhávamos uma parte de alcatrão, talvez 2 km a subir ligeiramente. Consigo correr uns bocados, para não adormecer. Quando me punha a andar, sinto-me adormecer só acordando quando saía para a berma. É uma sensação estranha adormecer a andar. Nunca pensei ser possível.
De seguida iniciamos, provavelmente a parte mais complicada do percurso, devido as condições atmosféricas. Um nevoeiro que nos impedia de ver o caminho. Várias vezes saí do percurso, porque não levava ‘luzes de nevoeiro’. O meu frontal não era adequado para aquelas condições. Por isso esperei por um grupo que vinha atrás e meti-me no fim da fila, e lá continuamos até Col de la Seigne(2516), fronteira de Itália.
Col de la Seigne – Logo que atingimos este ponto, fomos surpreendidos por um vento glacial. Eram 5h30 e eu ainda ia em calções. Havia duas tendas de apoio. O nosso grupo é encaminhado para uma dela. Para um pouco para retomar forças e mudar as pilhas do frontal para ver se as coisa melhoravam. Cerca de 15 min depois pensei em seguir, mas ao sair, o frio era tanto que regresso de imediato para dentro da tenda. Visto as calças, ponho o frontal na cintura em vez da cabeça, protejo as orelhas, encho-me de coragem e lá vou eu. Tinha de correr para aquecer. O frontal na cintura resultou em pleno e até LAC COMBAL consegui um bom andamento, assistindo ao espectacular amanhecer.
A partir daqui começa o espectáculo da paisagem. Vale a pena fazer o MB só para desfrutar destas maravilhas da natureza. As montanhas, a neve, os cursos de água o serpentear dos coloridos atletas, serra acima, serra abaixo, é algo que nunca mais se esquece.
Mais uma subida de cerca de 500 m e depois é sempre a descer até Courmayeur. O problema do pé estava resolvido, por isso o andamento foi bom para uma descida que nunca mais acabava.
(Continua...)

2 comentários:

  1. "A partir daqui começa o espectáculo da paisagem. Vale a pena fazer o MB só para desfrutar destas maravilhas da natureza. As montanhas, a neve, os cursos de água o serpentear dos coloridos atletas, serra acima, serra abaixo, é algo que nunca mais se esquece."

    Que se pode dizer... estou cheio de inveja!!! Quero ir lá já amanhã!!!!!!!

    Tiago Martins

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  2. Relato impressionante!

    Paulo Marcos
    Run 4 Fun

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