Nota prévia: A Ronda del cims de 2012 foi uma das melhores provas que fiz. Paisagens, trilhos e organização tudo 5 estrelas. Tinha este relato quase completo, mas nunca o partilhei. Como sei que muitos se preparam para rumar a Andorra no inicio do próximo Verão, decidi fazer esta partilha que pode dar uma ajuda.
Mais de um mês depois da minha participação no Andorra Ultra Trail, e da azafama do IV TNLO, decidi registar as emoções desta minha 2ª participação naquela prova.
Depois de uma viagem atribulada devido à anunciada greve da TAP tivemos de antecipar a viagem para 4ª feira à noite com chegada a Barcelona já perto da meia noite e com algumas peripécias, só conseguimos ir dormir depois das 3 horas da madrugada. Isto a pouco mais de 24 horas do inicio de tão dura prova, não é propriamente o melhor estágio. Mas no dia seguinte lá fizemos a viagem de carro até Andorra. Depois de passarmos pelo apartamento, lá fomos levantar os dorsais e tomar o primeiro contacto com o ambiente da Corrida. Já com os dorsais e os sacos para enviar para os 2 pontos de abastecimentos (Margineda e Pas de la Casa) o trabalho foi dividir as coisas a enviar para um e para outro. Não é fácil. Melhor seria como no TDG em que o saco é sempre o mesmo que salta de um abastecimento para o outro, e nos permite meter lá tudo. Mas lá se fez. Com os sacos entregues, mochilas preparadas era hora de repor e acumular energias para o dia seguinte.
É aí estamos na linha de partida de uma das mais duras ultras de montanha. Trata-se de uma prova com 170 km e com 13000m D+. Como se isto não fosse suficiente juntam-se-lhe uns ‘trilhos’ extremamente técnicos e com inclinações que nalguns locais nos faziam tremer um bocado ou andar com a barriga muito próxima do chão para nos mantermos de pé.
Aqui partida do ano anterior com Miguel Heras |
Como já conhecia o percurso até aos 85 km (local onde desisti no ano anterior), decidi não forçar muito e manter um ritmo confortável porque sabia o que nos esperava. Foi para esta prova sem dar qualquer ‘importância’ ao percurso/perfil. Tinha ainda a imagem do ano anterior, depois dar a volta à vila de Ordino e fazer a primeira subida num percurso com uma paisagem fabulosa sobre a povoação e por volta dos 5 km, quando esperava uma descida até Cortinada, não é que nos servem uma subida com declive extremamente acentuado, mas que na realidade é bastante mais interessante que o do ano anterior. Poucos km depois retomamos o percurso que já conhecia com a subida lá bem ao alto e com o Heli a sobrevoar-nos, a fazer imagens daquela paisagem lunar sem qualquer vegetação e onde passamos num percurso pedregoso com um declive que deve rondar os 45º. É pedra miúda e se por acaso nos desequilibramos, seguramente rolamos por ali abaixo umas centenas de metros.
Nestas repetições de provas temos a vantagem de comparar o nosso estado físico e psicológico em cada fase da prova. Aqui, na descida para o 1º abastecimento sentia-me bem mais confortável que no ano anterior. Está é uma descida acentuada, bastante longa e técnica. Fui ultrapassado por alguns atletas que seguramente não sabiam o que os esperava. É aquela descida em que apetece andar depressa porque ainda estamos no início, mas que desgasta bastante. Nas minhas calmas lá cheguei ao 1º abastecimento. Paragem de alguns minutos para comer e beber. Verifiquei que tinham nozes nos abastecimentos que gosto. Verifico a reserva de água e parto a caminho do abastecimento seguinte. Começamos a ver ao longe alguma neve, e a montanha estava com mais água o que aumentava a beleza da paisagem.
A observação daquelas quedas de água de muitas centenas de metros pelas rochas abaixo, faz-nos esquecer o cansaço. Como a subida, não sendo muito acentuada era para fazer a andar, dava para observar a paisagem envolvente. Ao chegar lá acima, começamos a observar o local do 2º abastecimento. Sabia que ainda demorava um bocado a chegar, mas pareceu-me mais longe que no ano passado. Cada vez estava mais distante. Tinha ‘combinado’ encontro com a São e o Luis Miguel para as 2 horas da tarde neste abastecimento. Cheguei mesmo em cima. Paragem longa (cerca de 30 min.). Deu para ir ao WC e ficar mais leve, para ir ao café e beber um expresso (muito bom).
Sabia que a 12 km tinha osso duro de roer – subida a Comapedrosa. Vamos a ele. Sinto-me bastante bem. Agora é sempre a subir para vencer cerca de 600m de D+ em poucos km. Na maioria destas subidas eram menos acentuadas na sua fase inicial, onde seguimos as pistas de sky d’ Arcalis e ao chegarmos aos últimos 500 m, normalmente a inclinação acentuava-se de forma brutal e o piso muito pedregoso vulgarmente chamado de mui técnico. Chegamos ao pic de Cataperdis.
Sabia que a 12 km tinha osso duro de roer – subida a Comapedrosa. Vamos a ele. Sinto-me bastante bem. Agora é sempre a subir para vencer cerca de 600m de D+ em poucos km. Na maioria destas subidas eram menos acentuadas na sua fase inicial, onde seguimos as pistas de sky d’ Arcalis e ao chegarmos aos últimos 500 m, normalmente a inclinação acentuava-se de forma brutal e o piso muito pedregoso vulgarmente chamado de mui técnico. Chegamos ao pic de Cataperdis.
Lá ia progredindo, gerindo o andamento para chegar ao abastecimento seguinte e recuperar forças para atacar Comapedrosa. Paragem para comer uma sopa e descansar um pouco. Agora é subir aos 2930 por um dos percursos mais técnicos, inclinados e complicados que jamais encontrei em qualquer outra prova. Ainda a grande distância começamos a ouvir a música que chega lá de cima para nos dar as boas vindas. Depois de muito penar, finalmente pico à vista.
Mas sabia que o que me esperava na descida não era nada melhor. Não há adjectivos para esta descida. Temos de ter cuidado porque as pedras deslizam e podem perseguir-nos mas abaixo. Vamos encontrar neve mais abaixo e temos de passar com todo o cuidado junto ao lago onde a neve se prolongava pelo fundo, perfeitamente visível através da transparência das águas.
Continuamos a descida até ao abrigo de Comapedrosa onde chego muito cansado. Ainda antes de comer, descanso um pouco em cima de uns banco corridos que estavam mesmo ao jeito para fechar os olhos. Estes pequenos momentos de descanso, para mim funcionam muito bem para recuperar forças.
Depois de abastecer é hora de partir que temos longa subida pela frente. Neste tipo de provas temos de ter muita paciência e noção do que falta para levar a bom termo a empreitada.
É importante definir metas intermédias que vão sendo vencidas. Normalmente distâncias entre abastecimentos são óptimas para definir etapas intermédias. Se vamos pensar que ainda faltam mais de 120 km, com o cansaço que já acumulamos, pode ser fatal em termos psicológicos.
Com isto tudo lá avisto o abastecimento de Botella, zona de partida duma das provas curtas. Mais um período de descanso e preparação para os kms que se seguem. Sabia que tinha agora cerca de 5 km planos. Neste tipo de provas não gosto nada de plano. Subir a andar ou descer a correr empurrado pela força da gravidade. Andorra tem poucas zonas planas. Mas temos de ir à vida. Sabia também que a seguir, depois da subida, iria encontrar uma das descidas mais técnicas e mais perigosas para fazer já de noite. Tinhamos corda enormes numa zona que deveria ser muito perigosa, mas de noite não se vê. No ano anterior fiz esta descida com o João Faustino e devido à humidade, devo ter caído dezenas de vezes. Este ano chego um pouco mais cedo e o piso estava menos escorregadio. A descida é bastante extensa, e quando pensamos que está quase, temos outra dose pela frente até finalmente chegar a Margineda onde se situa a Base de Vida.
O João Faustino tinha chegado à pouco tempo e já estava a preparar-se para sair. Eu decido fazer uma paragem maior e ver se durmo um pouco. Deito-me num dos colchões disponíveis, mas havia muito barulho e não consigo dormir. Decido ir às massagens e cerca de 1 hora depois preparo-me para arrancar.
Saio sozinho. Ao sair do pavilhão fazemos cerca de 1 km de alcatrão, desviando depois por um trilho que nos conduz à ponte romana onde se inicia subida ingreme numa encosta bastante florestada. No ano passado encontramos atletas a dormir por aqui ao ar livre. Fiz todo este percurso completamente sozinho por volta da meia noite. Foi nesta zona que no ano passado decidi desistir devido as hemorróidas. Seguia com o João e fiquei em St Júlia. Apartir daqui era novidade para mim. Vou num bom ritmo para tentar apanhar o João que tinha saído de Margineda com cerca de 45 min de avanço.
O próximo abastecimento é já na subida na Naturalandia. Subida acentuada mas que se fez a bom ritmo. Paro um pouco no abastecimento e arranco porque tinha o objectivo de alcançar o João (Só no fim é que soube que ele estava aqui a dormir).
Esta subida é daquela que nunca mais acaba. Começa a amanhecer e com a manhã começa a minha luta com o sono. Decido dormir ali mesmo junto ao caminho. Como era uma subida de pedra, o barulho dos batões não me deixou dormir.
Decido procurar um melhor local. Quando estava a começar a dormir toca o telefone. Era o Basso que teve de desistir e queria o telefone da São para entrar no apartamento. Como ainda dormi um pouco, despertei e rejuvenesci. Ganhei forças para imprimir um forte ritmo na subida até ao abastecimento seguinte que se situava num abrigo onde nos cruzávamos com os atletas dos 112km. Estavam a chegar os primeiros desta prova. Consigo sair com eles e acompanhar o seu ritmo durante alguns kms. Estava muito bem. Aqui já não havia grandes subidas, matinhamo-nos lá no alto e dava para correr. O objectivo era tentar apanhar o João. No abastecimento disseram-me que o português não tinha passado à muito. Isso deu-me força para ir mais rápido e quando chego ao abastecimento seguinte dizem-se que o português tinha saído à 3 minutos. Não paro muito tempo e sigo na suposta perseguição ao João.
Começo a aproximar-me de um grupo de 4 atletas onde ele deveria estar. Vou-me aproximando e não vislumbro a silhueta do João. Quando finalmente me aproximo do grupo reconheci não o João, mas o Pedro Marques que supostamente deveria andar pelos primeiros lugares, mas que teve uma quebra grande e ia a gerir para chegar ao fim. Ainda seguimos os dois alguns km, mas na descida para Paz de la Casa ele ficou para traz.
Em Paz de La Casa tínhamos o 2º saco. Chego bastante cansado da descida. Deito-me na maca para as massagens e devia estar tão mal encarado que o médico começou a fazer-me um interrogatório para ver se ou estava bem da cabeça. Depois não me queria deixar sair. Insisto que estou bem e levanto-me da maca e vou embora. Pela cara dele não ficou muito convencido.
De Paz de La Casa desciamos pelo vale durante uns 2 km e depois voltávamos à esquerda onde iniciávamos uma subida sem trilho definido, com arbustos baixos e com um vento de frente que nos empurrava para trás. Foi uma das parte mais complicadas. Via um membro da organização lá bem no alto, mas para lá chegar foi uma carga de trabalhos. Tinhamos de vencer um desnível de cerca de 700m.
Abastecimento de Vall d'Inclés |
Depois era descer os 700m em 4km até ao abastecimento de Vall d’Inclès. Vou seguindo nas calmas até que a certo ponto parece que ouço gritar o meu nome. Vou-me aproximando e na verdade tinha uma claque de luxo à espera neste abastecimento. Obrigado São, Célia e Pedro Basso.
Este encontro deu-me uma vida nova. Faltavam menos de 30 km. Soube aqui que o João estava para trás. Depois deste encontro e de abastecer, saio cheio de energia para atacar a recta final.
Sempre em solitário, lá subo os 800 de desnível e desço os 400 m até chegar ao abastecimento seguinte já de noite. Tratava-se do refúgio de Coms de Jan. Pareceu-me ficar numa zona completamente isolada no meio das montanhas.
Não fico muito tempo porque queria ir dormir à cama. Disseram-me que os da frente não tinham saído à muito tempo. Agora só tinha uma subida (500 m em 3 km), e depois era sempre a descer como eu gosto para fim de provas.
Ainda consigo ultrapassar uns atletas antes do cume, e depois toca a descer. São 1200 m de desnível negativo até à meta em descidas suaves e que dão para correr.
Ainda um abastecimento no mesmo local do primeiro e a partir daqui já conhecia do ano anterior a acompanhar o João.
Na meta no inicio da madrugada |
Quando ia na perseguição às luzes de frontal que via ao fundo acontece a única perdida da corrida. Chego a uma estrada de alcatrão e viro para o lado contrário. Sou enganado pelos reflectores da marcação da estrada. Andei ali para trás e para a frente sem saber o que fazer. Cerca de uns 10 min depois lá encontro o trilho certo.
Daí até à meta foi sempre a dar-lhe forte, mas chateado comigo mesmo por me ter perdido.
Mas a Chegada à meta teve um sabor muito especial. Tinha a São à minha espera.
Missão cumprida, acabava de completar uma das 100 milhas mais brutais do universo, e que bem que me tinha sentido.
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Só duas citações do Pedro Basso escreveu enquanto eu andava por lá a lutar com a montanha:
“Completei somente 50kms desta DURISSIMA prova, as subidas são BRUTAIS, algumas super exigentes tecnicamente, as descidas são aceitáveis, algumas são autenticas paredes de pedra solta. Resumindo: estes seres Humanos que terminam a prova perdendo uma só noite são obrigatoriamente ET's, os outros que a terminam são Deuses do Trail!
Ultrapassar o Comapedrosa, a subida e descida mais BRUTAL que alguma fiz. SUPER íngreme e MEGA técnica, a descer e a subir!!!!!!!!!”
O 3º lugar no escalão "obrigou-me" a voltar a Andorra em férias. Isto dos prémios é mesmo muito chato!!!
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