DIA 5
Subimos cerca de 700 m até entrar num percurso a meia encosta
que dava a volta à montanha, com uma vista soberba sobre os vales. Seguiamos
muito bem, ultrapassando vários atletas, entre os quais o casal de italianos
que tinham andado connosco no dia anterior.
Gostamos de dar a volta maior. Afinal pagamos 895 km. |
Como não fizemos o trabalho de casa para esta etapa, fomos brindados com cerca de 3 horas a mais que os demais concorrentes. Ao chegar a um cruzamento de percursos tínhamos duas opções: Ou seguíamos em frente (percurso registado no gps), ou à direita. Como fomos fazer a verificação pelo gps, seguimos em frente. Verificamos pouco tempo depois que este trilho estava muito pouco pisado, sinal de fraca utilização. Cerca de 40 minutos depois, ao consultar os mapas verifico que aquele cruzamento era o local onde podíamos virar à direita e menos de 500 m depois apanhar o trilho do outro lado do vale. Ainda ponderamos voltar para trás, mas já que estávamos ali seguimos em frente. Gastamos entre 2 a 3 horas até voltar ao ponto de ligação do atalho que seguramente não demoraria mais de 20 minutos a ser percorrido.
Foram 3 h a mais, mas vimos o que outros não viram |
Lá seguimos o nosso caminho até Marc onde tínhamos indicação
da existência do gite de Marc. O João ainda perguntou numa casa se não havia
nada para comer pensando que se tratava de um ref. ao que a dona quase lhe
bateu com a porta na cara. Continuamos a subir até atingir uma cota a meia
encosta com um trilho sobre uma conduta de água desativada, sem desnível
durante alguns kms. Veio depois uma das subidas mais bonitas, virada para um
vale com forte inclinação e com quedas de água monumentais. Antes de chegar lá
acima, uma paragem para o descanso e gozar daquela paisagem verdadeiramente
única.
Continuamos a subir e atingimos um vale com vários lagos que alimentavam as tais cataratas. Fazemos cerca de 3 km em redor dos lagos até chegar a um refúgio. Um desvio de cerca de 300 m para o refúgio e a refeição que já vínhamos a desejar há tanto tempo. Já lá estavam os espanhóis e o americano. Este americano pedia tudo em duplicado.
Que vista maravilhosa! |
Foram horas passadas durante a noite sempre com este barulho
de fundo. Seguiamos nós e o americano que entretanto ficou para trás. A subida
era muito acentuada e passamos a ter a companhia da chuva. O barulho das
cataratas era cada vez maior. Acabamos por seguir pelo trilho errada até a um
ponto sem saída. Estavamos mesmo em frente às cataratas de ARS. Ligamos os
frontais no máximo para ver a dimensão brutal das quedas de água. Ainda bem que
nos perdemos cerca de 100 m. Escusado será dizer que nalgumas partes tínhamos
de fazer autêntica escalada.
Voltamos ao trilho e continuamos a subida muito técnica de
forma a dar a volta por cima das cataratas. Que maravilha.
Nesta altura o cansaço acumulado era grande. Eu só pensava em
encontrar um sítio onde desse para descansar. Mas estava a chover e era água
por todo o lado. Passamos por um local com 3 tendas e isso acentuou a vontade
de dormir. Penso que o João tinha o mesmo sentimento. Olhava para todo o lado a
ver se encontrava poiso, mas não havia condições, até que na nossa frente
aparece uma pedra direita e pergunto ao João se não quer descansar um pouco.
Mesmo com a chuva “molha tolos” consegui dormir um pouco até começar a sentir
frio. Temos de continuar a nossa noitada. Seriam 2/3 da manhã. Continuamos a
descer até a uma estação de sky. Como estava tão cansado, quando vi a estação
de sky pensei que o pior já tinha passado. Puro engano. Entramos num estradão
mas depressa viramos para um trilho. Lá bem em baixo a aldeia. O terreno tinha
uma inclinação brutal. Nós seguíamos por um carreiro muito estreito que mal
dava para um pé. Qualquer desatenção poderia ser fatal. Entramos depois num
caminho relativamente fácil sempre com as luzes da aldeia ali tão perto, até
que encontramos o desvio do GR10 para o Gite Escolan onde se situava o CP8 e que
indicava mais de uma hora como o tempo necessário para a descida. Parecia ali
tão perto. Iniciamos uma descida enlameada com um forte declive e onde era
muito difícil mantermo-nos de pé. Tínhamos de seguir por fora da zona de lama
tendo as árvores como travão. Que belo final para uma noite das mais complicadas
até ali. Finalmente plano e menos de 1 km para o CP8 – e eram só
6h14 da manhã. Que noite.
Cheios de fome, utilizamos o pass para comer e depois
fomos dormir nas tendas montadas a cerca de 100 m. Dormi profundamente até o
João me acordar cerca de 3 horas depois, já o sol ia alto.
Dia 6
Depois de cerca de 4 horas começamos a pensar no almoço.
Passamos pela vila de Couflens e a partir daí foi ver se encontrávamos um local para preparar o almoço. Subíamos por uma estrada de alcatrão que do lado
esquerdo tinha uma barreira e do lado direito o rio lá em baixo.
Ao chegarmos ao plano havia um campismo rural e decidimos
entrar. Tinha um local onde tivemos permissão para aquecer água e preparar os
nossos liofilizados acompanhados de uma bela cerveja artesanal. Foi um repasto
domingueiro muito bom. O dia estava a correr muito bem.
Agora Tinhamos para fazer uma subida de mais de 1000 m e depois uma longa descida até ao CP9.
Agora Tinhamos para fazer uma subida de mais de 1000 m e depois uma longa descida até ao CP9.
Uma paragem na descida para descanso e fomos apanhados pelos
espanhóis (um catalão e um basco) e o Sueco que iam a descer a bom ritmo no
zig-zag interminável. Vamos atrás deles e assim seguimos até lá abaixo. Apanhamos
um estradão durante cerca de 2 km já de noite escuro, mas seguíamos sem frontal
pois pensávamos estar perto do CP
Quando chegamos
a uma povoação onde pensavamos poder estar o CP, ficamos perdidos porque não
havia vestígios de nada. Pouco tempo depois fomos informados que tinhamos de
subir cerca de 4 km até ao CP9. Depois de muito subir, começamos a ver umas
luzes lá no alto. Ainda atravessamos uma pequena aldeia e vamos lá chegar por
volta das 23 horas. Utilizamos os nossos PASS para refeição e dormir. Para
dormir eramos conduzidos para as traseiras do refúgio para um palheiro onde a
palha estava espalhada no chão. Boas sensações dormir na palha.
Dia 7
O lago era bonito, mas... |
Pedimos ajuda a uma pessoa que estava por ali, mas não adiantou grande coisa. Depois de consultar os mapas verificamos que mais uma vez fomos enganados pelo GPS. Lá atrás podíamos seguir pelo outro lado e encurtar de forma significativa o caminho. Seriam uns bons kms a menos e poupava-nos a subida acentuada e interminável que se seguiria. Mas não havia nada a fazer. Há que seguir em frente. Decidimos sair de junto do lago pelo mesmo trilho e apanhar o percurso correcto a meia encosta dando meio volta ao lago e iniciando uma subida acentuada. As duas hipóteses de reduzir distâncias foram desperdiçadas por nós. E assim acrescentamos mais umas horas de aventura. Naquele momento não achamos graça nenhuma.
Ainda tivemos tempo
para um pequeno desvio do percurso, dando uma volta a um monte pela direita. Ao
voltar ao trilho ultrapassamos novamente o grupo de caminheiros que tínhamos
deixado para trás na subida anterior.
Tinhamos agora pela frente uma descida de 1000 m, para de
imediato voltar a subir para o mesmo nível e só depois iniciar descida para o
CP. No início da descida fazemos uma paragem. O João começa a tratar das
bolhas. Eu verifico o estado das minhas sapatilhas e tento remediar atando
elásticos. Sapatilhas novas, bastante confortáveis, mas ao fim de 350 km
estavam rebentadas.
Somos novamente apanhados pelos do costume (espanhóis e
sueco). Vamos atrás deles. Consigo apanha-los. Vamos num ritmo rápido e
rapidamente chegamos ao CP9 que estava numa tenda e autocaravana. O João desce
um pouco mais devagar e chega pouco depois. Fazia bastante calor e paragem foi
reconfortante. A partir daqui passamos a ter alimentos quentes nos CP. Foi a
minha primeira feijoada com arroz (cassoulet). Estava deliciosa.
Foto do Marc |
O nariz e testa registaram a queda |
Aproxima-se nova subida, e que subida. No meio de densos
arbustos com cerca de 1,5 m um zig-zag interminável. Nas zonas mais aberta vejo
que segue alguém na frente, mas que vai a bom ritmo. Aproximo-me dele. É o
Sueco com os seus bastões improvisados (como não levava bastões arranjava
sempre uns paus para as subidas). Pergunto-lhe pelo João, mas diz não o ter visto.
Diz-me que o Marc (o catalão) segue na frente. Como ele vinha com o João deduzo
que estará ainda mais à frente a tentar apanhar-me. Antes de iniciarmos a
descida encontramos o Marc sentado. Fica preocupado ao ver a minha cara. Vamos
os 3 atacar a descida de 1250m D-. A noite está a chegar. Cruzamos com um
atleta que vinha a subir que reconheci mas nesta altura não sabia que se
tratava do Antony que andava a apoiar o Daniel. Ele ainda continuou a subir,
mas voltou e ainda veio passar por nós antes de chegarmos à aldeia. Quando
passa por nós diz-me que iria fazer-me o curativo no Gite Eylie. Passamos por
muitas ruinas, vestígios de antiga exploração mineira. Subimos um pouco,
passamos pelo gite e penso que estou a ficar “passado” quando começo a ouvir
gritar o meu nome do outro lado da ponte. Era o João Oliveira e o seu grupo que
tinham acabado de jantar e estavam de partida. Diz-me que o João Colaço tinha
chegado há pouco tempo e estava no restaurante. Sigo para lá e conto o que se
passou. Lavo as feridas e o Antony faz-me o tratamento, enquanto esperamos pelo
jantar. Mais uma boa omelete.
Todos os alojamentos estavam esgotados, por isso
decidimos acantonar na sala do gite, onde dormimos cerca de 4 horas. O chão
estava também esgotado. Por volta das 4 da manhã o João dá ordens de partida,
mas antes ainda vamos ter uma sessão de curativo dos pés. É aí que me deu conta
das bolhas que já vão surgindo nos meus pés. Julgo que foram agravadas devido
ao estado das sapatilhas. Não ia preparado para o problema das bolhas, por isso
tive de improvisar. Para picar as bolhas o canivete serviu às mil maravilhas.
Ato melhor os atacadores e elástico à volta das sapatilhas, para os pés não
“dançarem”. Fui olhando e aprendendo com o João que já estava especializado na
arte de tratar dos próprios pés. Todo este trabalho foi feito à luz do frontal
no hall do Gite.
Saída para a montanha por volta das 4H30 e logo com uma
enorme subida – 1500 m D+. Esta era uma zona de exploração mineira e na subida fomos
encontrando vestígios dos equipamentos de transporte do minério. Passamos por
vários buracos na montanha que seriam entradas para galerias subterrâneas de
exploração. Pouco tempo depois começamos a visualizar uma aldeia mineira com
algumas habitações recuperadas. Ao longe ainda pensamos tratar-se do refugio onde
planeávamos tomar o pequeno-almoço, mas não, nada de refugio. Saímos sem comer
nada, por isso a fome estava a apertar. Continuamos e deixamos as nuvens a um
nível inferior.
Que paisagem magnifica. A aldeia mineira que chegamos a pensar que era o fim da subida, começa a desaparecer lá em baixo, coberta pelas nuvens. Continuamos a nossa subida, e finalmente o fim. E vemos finalmente o refúgio ali em baixo. Parece perto. Umas fotos e toca a descer. Vamos que o pequeno-almoço está à nossa espera. Mas aquilo que parecia já ali demorou quase uma hora a atingir.
Que paisagem magnifica. A aldeia mineira que chegamos a pensar que era o fim da subida, começa a desaparecer lá em baixo, coberta pelas nuvens. Continuamos a nossa subida, e finalmente o fim. E vemos finalmente o refúgio ali em baixo. Parece perto. Umas fotos e toca a descer. Vamos que o pequeno-almoço está à nossa espera. Mas aquilo que parecia já ali demorou quase uma hora a atingir.
Na esplanada do refúgio com vista para o lago num ambiente
agravável para descansar e recuperar forças.
Depois do pequeno almoço... |
É agradável o local mas temos de subir um pouco e depois descer mais de 2000 m até FOS. É uma descida interminável. Passamos por várias aldeias e fazemos alguns km de alcatrão antes de chegar à entrada de FOS. Pensávamos que estava feito, mas ainda tivemos de dar uma volta pela direita da terra que nos pareceu nunca mais acabar. Atravessamos e centro de FOS até ao CP11 localizado num pavilhão. Depois de comer, e como o pavilhão tinha colchões óptimos, vamos aproveitar para uma sesta reconfortante. Telefono à São, que já vinha a caminho de França, e aproveito para requisitar material para tratar dos pés. Neste CP estava o Cyril que nos deu a notícia do encurtamento do percurso devido ao mau tempo.
Antes da partida, mais uma feijoada para sairmos de estomago
composto para a nossa caminhada à hora de calor abrasador. Os primeiros kms no
plano ao longo de um grande canal, para de seguida iniciar mais 2000 m de D+ e
voltar a descer quase para o mesmo nível. Lá no alto vamos seguir durante
vários kms a linha de fronteira aqui marcada por grandes marcos numerados.
Quando iniciamos a descida vamos encontrar grandes rebanhos de ovelhas. Fizemos
uma paragem para o João tratar das bolhas. Começa a anoitecer e um pastor
diz-nos para irmos pela direita que vai dar ao mesmo sítio. Começamos a ver
Artigue lá no fundo e até lá é só seguir o estradão. Atravessamos a Aldeia e
entramos num trilho muito inclinado. É já noite escura. O João seguia com
alguma dificuldade neste tipo de descidas, por isso vamos com calma até entrar
nas imediações de vila de Bagneres-de-Luchon. Quando chegamos ao ponto onde
terminava o track do sector II e supostamente deveria estar a BV, deparamo-nos
com um lugar escuro onde não se passava nada. Depois de muita hesitação
decidimos ligar para a organização. Atendeu o Cyril que nos indicou o caminho a
seguir até a um campo de aviação relvado do outro lado do rio.
Chegamos com fome, por isso tratamos de comer antes de nos
lavarmos à mangueirada no meio do relvado e de tratar dos pés.
Aqui tínhamos direito a uma tenda para cada um, instalada no
relvado. Dormi muito bem até ser acordado pelo João.
Continua.... http://jserrazina.blogspot.pt/2017/04/transpyrenea-parte-iii.html
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